Paulo Junior
Paulo Junior é jornalista formado pela Universidade Federal do Cariri (UFCA). Cobre o ambiente político desde as primeiras atividades na área, tendo desenvolvido pesquisas também nesse ramo, especialmente através de estudos do HGPE. Desde 2020 produz artigos de análise de conjuntura com viés opinativo, porém, guiado sempre pela observância dos fatos.
Paulo Junior
Paulo Junior é jornalista formado pela Universidade Federal do Cariri (UFCA). Cobre o ambiente político desde as primeiras atividades na área, tendo desenvolvido pesquisas também nesse ramo, especialmente através de estudos do HGPE. Desde 2020 produz artigos de análise de conjuntura com viés opinativo, porém, guiado sempre pela observância dos fatos.
Foto: Gabriela Biló
A reunião da cúpula da Unasul (União de nações Sul-americanas) aconteceu no início desta semana e foi provocada pelo Brasil, que recebeu ontem (30) cerca de dez chefes de estado e representantes de governo dos países que compõem o bloco. Porém, o que chamou a atenção de modo mais vultoso não foi a fotografia do final da reunião, mas a maneira que a diplomacia nacional, e o próprio presidente Lula (PT), adotaram ao receber o ditador venezuelano Nicolás Maduro.
O Brasil recebeu Maduro em uma reunião bilateral anterior à cúpula da Unasul. Reuniões bilaterais são necessárias, e relevantes para qualquer nação, e o Brasil mantém uma relação comercial densa com a Venezuela. Portanto, até este ponto não existe nenhuma inadequação. Todavia, quando o Brasil decide receber Maduro com a pompa que recebeu toma um caminho inapropriado, porque mesmo diante da urgência de manter boas relações comerciais, é necessário estabelecer constrangimento defronte a regimes cerceadores.
Em uma entrevista coletiva concedida após a reunião bilateral, Lula chamou o que existe na Venezuela de “narrativa”, e chegou a dizer que Maduro deveria estabelecer a sua “narrativa” dos fatos. O que, segundo o presidente Lula, seria a “narrativa verdadeira”. Essas declarações levaram o chefe de estado brasileiro a um lugar de dissabor, recebendo críticas volumosas no Congresso Nacional, e também na comunidade internacional.
Lula se equivoca ao classificar o que ocorre na Venezuela como narrativa, pois cria a impressão de que tudo que se sabe notório sobre o regime de Maduro é falso, quando os fatos observam uma situação calorosamente diferente. Maduro está no poder há mais de dez anos, e neste período é visível o silenciamento de forças de oposição, além de um claro aparelhamento do sistema de Justiça, já que Maduro tratou acelerar reformas na Suprema Corte do país, ampliando o número de magistrados.
Além disso, não é possível fechar os olhos aos fatos reais. A agência da ONU para direitos humanos aponta que desde 2015 ao menos 7 milhões de pessoas deixaram a Venezuela. Cerca de 6,5 milhões passam fome diariamente, 4,1% das crianças do país sofrem de desnutrição aguda.
Pontua-se que no campo da repressão, dados evidenciam que entre 2016 e 2019 se verificou na Venezuela um número próximo de 19 mil execuções extrajudiciais. Além disso, pondera-se que desde 2014 se anotou ao menos 15 mil prisões consideradas ilegais.
Lula elegeu-se evocando conceitos de democracia e liberdade, portanto, defender qualquer nuance de repressão é no mínimo desarrazoado. É preciso que o presidente não se permita flertar com qualquer regime que tenha conformações repressivas, muito menos julgar plausível a classificação desses quadros como meras narrativas.
O Brasil é um líder global, líder máximo em sua região, e é dessa forma que precisa agir. Nessa linha, a diplomacia e o presidente devem empreitar esforços para restabelecer uma Venezuela livre de amarras arbitrárias e cerceadoras. Neste caso não cabe malversação.
Nas primeiras falas sobre a guerra entre Ucrânia e Rússia, Lula admitiu estar mal informado sobre o tema. Nas falas sobre a Venezuela também pareceu estar. Espera-se que o Estado brasileiro trate temas complexos com a complexidade devida, não se deve voltar ao apogeu da ignorância diplomática, tal qual viu-se na gestão Bolsonaro (PL), todavia, também não se deve ingressar em um caminho de pedras dadas, no qual os fatos são subvalorizados e tudo é posto como uma mera “narrativa”. Até porque não deve existir uma escala de democracia, deve haver apenas democracia.
O texto reflete a opinião do autor, e não necessariamente refere-se ao posicionamento do Site Miséria.