Psiquiatras têm recebido alto índice de novos pacientes na pandemia. - Foto:José Leomar
A transmissão acelerada do novo coronavírus afeta de modo crucial o sistema de saúde. Mortes numerosas e o volume acentuado de pessoas contaminadas. Impactos sentidos imediatamente. Mas, o efeito desse momento, em que os dilemas parecem ser permanentes: medo de adoecer, perdas, lutos, isolamento, insegurança financeira, dentre outros, ainda levará tempo para ser mensurado. Sobretudo, quando o ponto em questão é a saúde mental. Mas, algumas evidências já indicam quão potencial é a pandemia também para a acentuação de problemas da mente. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) revela que 92% dos psiquiatras ouvidos no Ceará receberam novos pacientes nos meses de março e abril.
O levantamento feito pela entidade é baseado em uma amostragem de psiquiatras e ouviu 400 profissionais de 23 estados brasileiros e do Distrito Federal. No Ceará, além do aumento de pacientes, os médicos afirmam que veem, durante a pandemia, o agravamento das condições das pessoas que já estavam em tratamento. A ansiedade e a depressão são as principais causas das buscas por consultas. .
Atualmente, os atendimentos psiquiátricos emergenciais ainda ocorrem de forma presencial, mas as consultas, assim como outras especializadas, foram autorizadas a acontecerem de modo virtual, a chamada telepsiquiatria. “Hoje o Conselho Federal de Medicina e o Conselho Federal de Psicologia autorizam atendimentos pela teleconsulta, de uma forma geral, porque muita gente está com problema, mas tem medo de ir para o hospital”, explica o psiquiatra e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fábio Gomes de Matos. A consulta online é válida tanto para pacientes em tratamento, quanto para aqueles que buscam o psiquiatra pela primeira vez.
O médico ressalta que o atual cenário é potencial para a acentuação de sofrimentos psíquicos, principalmente, se considerado uma série de incertezas alavancadas pelo desemprego, insegurança quanto ao sustento no futuro e falta de atendimento para a população mais socialmente vulnerável.
O psiquiatra e presidente da Sociedade Cearense de Psiquiatria, Nagib Demes Neto, reitera as informações evidenciadas pelos médicos:
“Realmente, tem alguns estudos em processo de revisão mostrando que tem se aumentado os índices de sintomatologias depressivas e ansiosas que é o que a gente já vem observando mesmo na prática clínica. Muitas vezes, algumas pessoas que já tinham condições pré-mórbidas mas evitavam ir ao serviço de saúde, quando exacerbou isso, aí elas se viram nessa condição de ter que realmente buscar ajuda”.
O médico explica que essa percepção de aumento está atrelada às consultas clínicas de pacientes com transtornos de grau leves e moderados. Em geral, tratamentos psiquiátricos enquadrados nessa categoria são oferecidos no SUS por Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS) e também pela rede privada.
O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, médico Antônio Geraldo da Silva, reitera a avaliação sobre o quão estressante tem sido o atual momento. “Ansiedade é um fator normal: todo mundo tem e todo mundo precisa ter, um fator normal do ser humano, só aparece quando você enfrenta situações estressantes. Essa situação que nós vivemos é estressante por vários motivos, inclusive por ameaças invisível de um inimigo que você não pode combater. Agora, ela se torna doença quando ela te gera prejuízos. Tem ansiedade que faz acordar cedo, produzir. Agora tem ansiedade que imobiliza, então realmente você precisar tratar”
O psiquiatra acrescenta ainda que os médicos do Ceará ouvidos na pesquisa, 76,9% relataram terem recebido pacientes que anteriormente já haviam tido alta médica. Além disso, 61,5% dos profissionais afirmou ter tido aumento da demanda por atendimentos psiquiátricos.”Nesse período, a gente sofre mais pressão, mais cobrança de resultados, de performance, isso pode piorar quem já tem o quadro e explodir em que nunca teve”, destaca o presidente da ABP.
Internações
No Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM), única unidade pública que tem emergência psiquiátrica no Ceará, o diretor-clínico Carlos Celso Serra Azul, explica que “aparentemente não houve muita alteração no perfil dos atendimentos”, mas também ressalta que isso pode ser atribuído ao fato de hospital ser prioritariamente voltado ao acolhimento de pacientes graves que demandam internamento ou atenção de urgência.
No entanto, conforme o psiquiatra, essa percepção do aumento dos atendimentos é relacionada sobretudo aos casos leves e moderados. “Episódios depressivos, transtornos ansiosos. Esses estão aumentando durante a pandemia. Porque quer queira ou não é uma situação de estresse que acaba envolvendo sofrimento psíquico e adoecimento em massa, nesse sentido. Mas, geralmente perfazendo um público mais para esses tipos de transtorno leves e moderados. Que são os transtornos depressivos ou eventos ansiosos”, reitera.
Na unidade, a emergência atende em média, diz o diretor, entre 50 e 70 pessoas por dia. Em relação às hospitalizações houve redução se comparado os meses de março e abril de 2020 com 2019. No ano passado, foram 364 internações psiquiátricas no Hospital. Este ano foram 292 no mesmo período.
>> CAPS mantêm serviços parciais durante a pandemia
Todos os atendimentos eletivos estão suspensos temporariamente nos 15 Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS) de Fortaleza durante a pandemia. No entanto, algumas atividades como o acolhimento individual dos pacientes segue ocorrendo de segunda a sexta, das 8h às 17h, segundo informou a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza.
Conforme a pasta, nos meses de março e abril, foi registrada uma diminuição de 25% no número de atendimentos nos CAPS em comparação aos mesmos meses de 2019. A média de atendimentos mensais no período regular, de acordo com a SMS, é 14,5 mil nos seis CAPS Gerais, 8,5 mil nos sete CAPS AD e 3,5 mil nos dois CAPS Infantis.
O usuário do CAPS geral da Regional IV e conselheiro de usuários da unidade, Raimundo Nonato dos Santos, conta que desde 2008 é acompanhado no equipamento. Ele precisou de tratamento após o diagnóstico de esquizofrenia. Os atendimentos atualmente, relata ele, têm ênfase na entrega de receitas e recebimento de remédios. “No CAPS que eu vou, há somente dois psicólogos atendendo em caráter de emergência”, diz.
O enfermeiro do CAPS AD da Regional IV, Alex Alencar, ressalta que alguns CAPS têm especificidades distintas, e com isso, como os CAPS gerais “demandam um grande fluxo de atendimento”. No dia a dia, explica o profissional, na maioria dos CAPS “devido ao gigantesco quantitativo de pessoas atendidas normalmente, e o número bastante reduzido de profissionais para darem respostas, mesmo com a orientação de redução dos atendimentos, a procura permanece grande”.
Alex conta que no CAPS AD IV houve uma redução drástica dos atendimentos. Segundo ele, “até pra receber as receitas renovadas, está havendo um número alto de não comparecimento”.
No entanto, diariamente, explica, são feitos acolhimentos das pessoas que chegam e “percebemos um retorno de muitos que haviam abandonado o tratamento. Inclusive, com demandas de internação para desintoxicar, casos de ideação e/ou tentativas de suicídio e aumento do uso problemático de múltiplas drogas”. Para estas demandas, explica a equipe garantir os atendimentos dentro das possibilidades e limitações do momento.
Diário do Nordeste