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Sobreviventes deixam mensagens de gratidão após queda do Edifício Andrea
Em carta aos bombeiros e voluntários sobreviventes da queda de edifício
Redação
Francisco Alves era porteiro do prédio que caiu e agora segue em tratamento de saúde Foto: Camila Lima

Aos bombeiros e voluntários,

A vida continua, mas recuperado ninguém está ainda. Em Fortaleza, o processo segue lento, duro e sofrido. Felizmente, há vidas salvas e gratas. E é delas essa mensagem. Dizer obrigado não basta, garantem os sobreviventes do horror vivido no Edifício Andrea, naquele 15 de outubro de 2019, no bairro Dionísio Torres. Mas essas palavras são evidências de gratidão profunda e impagável. Narrativas necessárias direcionadas a quem tanto se esforçou para mantê-los vivos. Capazes de elevar os bons sentimentos que transbordam e revertem, em parte, às cruéis camadas das tragédias entranhadas no cotidiano.

À mensageira responsável por essa matéria-carta, três sobreviventes contaram detalhes dos dramas individuais vividos naquela data. Um dia que não acabou. Talvez, aos poucos, cicatrize. As vítimas da tragédia enfatizam, ao seu modo, o reconhecimento aos bombeiros, aos voluntários e a qualquer outra pessoa que pela força das ações auxiliou no processo de salvamento naqueles incontáveis dias. Se você é um deles, sinta-se o destinatário. Não sendo, o convite nessas linhas é ao conhecimento daquilo que dito/escrito pelas vítimas de forma simples pode demonstrar um tanto da dimensão do que é ser grato por ter revivido pelas mãos de desconhecidos.

Francisco Rodrigues Alves, 59 anos; Cleide Maria Carvalho, 60 anos; e Gilson Moreira Gomes, 58 anos, renasceram muitas vezes desde o ocorrido. Assim como é possível também que você, bombeiro, voluntário, cuidador… Tenha se reconhecido outras tantas vezes como ser humano frágil e corajoso a partir daquele dia. Se repensado. Os sobreviventes, a convite do Sistema Verdes Mares, narraram por escrito e por áudio, os sentimentos de gratidão. E essa matéria-carta os documenta.

Além dos medos e tensões da tragédia que deixou nove mortos, as vidas resgatadas compartilham sensações de esperança do dia da ocorrência. Salvo uma ou outra exceção, não sabem o nome exato dos bombeiros, dos voluntários e das equipes médicas que os auxiliaram. Mas não esquecem os rostos. Nem as vozes. E é preciso que se diga, reforçam eles, tampouco irão apagar da memória a força dessas pessoas cujo grau de anonimato é proporcional à coragem de trabalhar em prol de outras vidas.

Gilson, recepcionista que estava no mercadinho próximo ao Edifício Andrea e, nem sequer, morava no local, segue com as pernas comprometidas. Talvez, você que ajudou nesse resgate até imagine que devido ao ciclo natural da recuperação seja esse um estágio esperado. Mas ele conta (e nós registramos) que, passados mais de dois meses da tragédia, ele se desloca ainda em cadeira de rodas e segue apreensivo pela condição momentânea. Além de outras perdas, Gilson teve o dedão do pé retirado devido ao grau de comprometimento. Efeito do soterramento do corpo que durou horas.

“Pediram balão de oxigênio e haja tirar terra, pedra… Depois disso, fiquei livre da cintura para baixo, mas eles não conseguiam me puxar porque eu ainda estava preso. Foram seis horas e meia de resgate. Foram sete garrafas de oxigênio pra eu poder respirar. O bombeiro Sérgio ficou sempre do meu lado pedindo: ‘fala comigo, seu Gilson, fala comigo. O senhor vai sair daqui vivo'”, relembra.

A fé o segurou, acredita ele. E o agradecimento primeiro é justamente a Deus. Na terra, aos bombeiros e também aos voluntários. A Casa de Apoio é referência na narrativa de Gilson, que lembra de agradecer nominalmente a Kelly Diogo Cavalcante.

“Tenho muito a agradecer, a Kelly que deu apoio à minha família. E eles estão até hoje me dando assistência, com conversa. Eu fico olhando para os meus e digo: como é bom tá aqui de volta, eu vi a boca da morte e é ruim. Não quero isso para ninguém. Mas taí, graças aos bombeiros, estou aqui. O trabalho deles é de garra, não conta se a pessoa é branca, é preta, amarela ou cinza. Muito obrigado às pessoas que deram apoio, fizeram oração”, ressalta.

Cleide Maria Carvalho, que por 21 anos atuou como diarista no mesmo endereço, o cruzamento na Rua Tibúrcio Cavalcante com a Rua Tomás Acioli, não sabe nomear os heróis que a tiraram dos escombros. Mas se o reconhecimento não é nominal, a gratidão é vasta.

“Para eles (bombeiros), eu tenho que só agradecer. Dizer muito obrigado. Foi sorte ter chegado em tempo. Sou muito grata por terem me salvado. Eu tentei ajudar para ser salva. Era difícil para me tirar de lá. Mas tiveram coragem. Quando um deles chegou, eu estava escutando o barulho. Chamei, chamei. Até que ele veio e perguntou onde eu estava. Aí ele foi e me achou lá. Foi rápido. Eu consegui com a ajuda de Deus. Um milagre grande”.

O socorro inicial foi imediato. Os demais auxílios garantidos após a ocorrência seguem surtindo efeitos diretos até hoje. Sem poder trabalhar em decorrência da fratura no tornozelo, que a faz andar apoiada em muletas, Cleide tem usado o dinheiro doado – pela família de sua empregadora, morta no desabamento – para pagar o aluguel. São R$ 400, conta ela. A gratidão se estende a toda a equipe do hospital. Onde “foi tratada muito bem e bem rápido”, conta.

Francisco Rodrigues Alves, porteiro do Edifício, neste mês completou 59 anos, narra em uma mensagem escrita aos bombeiros. Um novo nascimento para quem segue fazendo fisioterapia no braço atingido na tragédia e ainda não pode retornar ao trabalho. As vítimas mortas, seu Francisco, trata na mensagem como “nove amigos” e repete o agradecimento permanente aos bombeiros e voluntários.

Hoje, ele ainda aguarda decisão do INSS para receber um auxílio. Comprometido pelos danos da ocorrência, Francisco garante que naquele trágico dia os voluntários foram os primeiros a lhe achar. E em seguida, ajudaram no resgate.

Do trauma vivido, há muitas inquietações, mas também algumas certezas estruturantes. Uma delas, a gratidão. Contínua e incapaz de ser medida. Outra, é aquela ensinada por você, bombeiro/voluntário, de que a vida é preciosa e independentemente do nosso grau de conhecimento sobre quem é o outro ser humano, é possível tentar salvá-la.

Diário do Nordeste

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