Cágado resiste em meio às águas poluídas do Rio Granjeiro - Foto: Lucas Vieira
O que antes era um cenário repleto de vida, com peixes e águas próprias para banho, se transformou em um ambiente dominado por concreto e poluição – resultado de décadas de despejo de lixo e esgoto sem tratamento no Rio Granjeiro, no Crato. Contudo, a concessão de esgotamento sanitário, já em plena operação, poderá oferecer às futuras gerações algo hoje impensável, como contato com espécies de peixes ou até um mergulho.
Ao longo dos anos, vários fatores contribuíram para o processo de poluição do Granjeiro, incluindo o crescimento urbano e a falta de políticas de saneamento. De acordo com o memorialista cratense Huberto Cabral, entre as décadas de 1930 e 1950, o afluente era utilizado por lavadeiras, pescadores e banhistas. A canalização foi iniciada em 1957, pelo extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento (Denoz).
“De fato, da década de 30 para 40, houve esse grande movimento da utilização do Rio Granjeiro. As lavadeiras da cidade, como também pescadores, [trabalhavam] até no trecho que era chamado Rio das Piabas. E tem o Poço da Escada, que era o balneário popular do Crato e também da sociedade”, conta Huberto Cabral.
Cabral atestou uma foto a qual o Miséria teve acesso, registrada por volta da década de 1930, que mostra o trecho do rio que hoje corresponde à rua Santos Dumont, no cruzamento com a rua Almirante Alexandrino. A imagem em preto e branco mostra um rio largo, cercado por vegetação e duas pessoas nadando, indicando a balneabilidade naquela época. O registro foi publicado em um trabalho de conclusão de curso (TCC), da Universidade Regional do Cariri (Urca), em 2020.
“Quando o município não possuía áreas urbanas e muitos habitantes, era possível usufruir das belezas naturais do Rio Granjeiro, como pode ser visto [na imagem]”, diz o trabalho elaborado pelos pesquisadores Luis Marivando Barros e João Bosco Rodrigues. “[Hoje], as águas que descem das nascentes e das chuvas chegam ao centro barrentas, e quando entram no canal, devido à contaminação pelos esgotos, tornam-se impróprias”, destaca a pesquisa.
Um trecho do rio acima do perímetro urbano ainda guarda traços de seu estado natural, especialmente da chamada “Ponte de Bia” até um pouco antes do início do canal. “Este espaço remete a lembrança de como fora o Rio Granjeiro anos atrás. Águas sem eutrofização, que descem para o canal logo adiante. As pedras do rio ainda permanecem”, acrescenta.
No trabalho, Barros e Rodrigues apontam, também, o desvio dos esgotos para estações de tratamento como principal medida para diminuir a poluição do canal do Rio Granjeiro, bem como o aproveitamento dos resíduos sólidos, que poderiam servir de adubos e geração de energia. “Como consequência, as águas voltariam a ser próprias para o consumo humano”, reforçam os autores.
CONCESSÃO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO
Em agosto último, a concessão para universalização do esgotamento sanitário do Crato completou dois anos. A concessionária Ambiental Crato informou que, desde o início da operação, cerca de 80 milhões de litros de esgoto são tratados, mensalmente, somente na estação de tratamento de efluentes (ETE) Seminário. Desta forma, até o momento, mais de 1,1 bilhão de litros de esgoto bruto deixaram de ser despejados no curso do rio.
Com mais de 6.800 novas ligações, a companhia indicou também avanço na cobertura de esgotamento sanitário, que passou de 3% para 25%. Até junho, mais de 600 estabelecimentos comerciais foram ligados à rede de esgoto e 1.240 metros de rede coletora foram instalados no Centro. De acordo com a Ambiental, isso permitiu que diversas residências e estabelecimentos comerciais dessem um novo destino ao esgoto produzido por eles.
“São 80 milhões de litros de esgoto por mês que deixam de ser jogados irregularmente no canal do Rio Granjeiro. Isso significa que muitos dos que tiveram oportunidade de se banhar no Rio Granjeiro, verão isso muito em breve, e terão a oportunidade de gozar desse benefício de se banhar no Rio Granjeiro límpido”, disse a então diretora-presidente da Ambiental Crato, Carolina Serafim, durante sessão plenária na Câmara Municipal do Crato, em maio do ano passado.
Até 2033, a Ambiental pretende entregar a infraestrutura necessária para levar esgotamento sanitário a 90% da cidade, conforme determina o Novo Marco Legal do Saneamento. Para isso, a companhia deverá investir R$ 250 milhões ao longo dos 35 anos do contrato. O projeto prevê a implantação de 252 km de redes coletoras e interceptores, substituição de 36 km de rede existente, e construção de 22 estações elevatórias e seis estações de tratamento.
O QUE DIZEM ESPECIALISTAS
Afinal, podemos realmente vislumbrar a balneabilidade do Rio Granjeiro? Especialistas em esgotamento sanitário consultados pelo Miséria consideram o desligamento das instalações de esgotos no canal a principal medida para melhorar a qualidade da água. A balneabilidade do Granjeiro pode, sim, ser atingida, mas esse processo é demorado e vai além do tratamento do esgoto despejado no rio.
“Existem outras formas de poluição que podem comprometer a qualidade da água, tais como resíduos sólidos, lançamento clandestino de esgotos industriais, ligação de esgoto não interligada à rede coletora ou através da ligação de águas residuárias na rede de águas pluviais. A balneabilidade pode até ser atingida, mas vai além do lançamento do esgoto doméstico”, explica Germário Araújo, coordenador do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária do Instituto Federal do Ceará (IFCE), campus Juazeiro do Norte.
Embora a balneabilidade leve mais tempo para ser alcançada, Araújo ressalta que o desligamento das instalações de esgotos no canal pode gerar outros benefícios ambientais em um prazo mais curto, como a redução de odores e o retorno da vida aquática no trecho urbano do rio. Com o avanço da universalização do saneamento, diz ele, espécies de peixes e plantas podem reaparecer no curso urbano do rio.
“É possível sim. Os odores são provenientes da decomposição anaeróbia. Uma vez que o rio tiver oxigênio esses odores não serão perceptíveis, visto que o enxofre contido no gás sulfídrico é oxidado para formas não perceptíveis ao olfato como o sulfato. Com a presença de oxigênio é possível sim ter vida aquática, podemos começar a ver a presença de algumas espécies de peixes até”, acrescenta o docente, que é especialista em tratamento de esgotos e reúso de água.
Nessa mesma linha, Tadeu Bezerra, gerente de operações da Ambiental Crato, avalia que o processo de despoluição do Granjeiro é amplo e envolve questões além do tratamento do esgoto realizado pela companhia. Ele destaca, por exemplo, a necessidade de a população aderir às ligações de esgoto em suas residências e recomenda que não se descarte lixo no curso do rio.
“Um dos primeiros passos para o retorno da balneabilidade do Rio Granjeiro é a retirada do despejo de esgoto in natura no seu curso. É essencial que a população realize as conexões à rede sempre que houver disponibilidade, pois é um fator amplamente relevante para que o rio possa retornar a sua normalidade”, destaca.
No que tange ao tempo de modo específico, Bezerra explica que “é difícil apresentar um prazo fechado, já que é necessário aguardar o processo de recuperação do meio ambiente, a fim de que se consiga superar as décadas de poluição [no Rio Granjeiro]”.
OBRA DE REQUALIFICAÇÃO
Em setembro, o governador Elmano de Freitas (PT) assinou o contrato para a obra de requalificação e drenagem do canal do Rio Granjeiro. O investimento, de R$ 124 milhões, não envolve o esgotamento sanitário ou a despoluição do trecho urbano. Após a conclusão, o canal deverá ser mais largo e com laterais verticais, diferente de sua estrutura atual.
Os serviços incluem a expansão da vazão em 3,14 km de extensão do canal, reestruturação das galerias e pavimentação em piso intertravado no entorno. Além disso, será ampliada a capacidade de vazão (de 60 metros cúbicos para 140 metros cúbicos) para evitar alagamentos no centro da cidade.