Atualmente, o reservatório conta com 658 milhões de metros cúbicos de água Foto: Honório Barbosa
As chuvas da primeira metade da quadra chuvosa – que se estende até maio – reanimaram um gigante que há muitos anos estava combalido. Impulsionado pela cheia do Rio Salgado, o Açude Castanhão atingiu ontem (30), 9,83% de seu volume, segundo dados da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh).
Até março deste ano, o maior reservatório cearense já ganhou aporte de 511 milhões de metros cúbicos, o que representa a maior recarga desde 2011, se comparado a igual período. Nos três primeiros meses daquele ano, o Castanhão havia conquistado 875 milhões de m³ de água.
Já em relação ao volume de armazenamento hídrico, o índice atual é o maior desde 2015, quando estava com 22,3%, em igual data. Os números positivos não param por aí. Esta é a primeira vez, em oito anos, que a curva do volume não é decrescente. De 2012 até 2019, o Castanhão acumulou consecutivas perdas, passando de 71,95% para apenas 3,71% em 30 de março de 2019.
Os bons números, segundo Bruno Rebouças, diretor de Operações da Cogerh, podem ser explicados pela boa distribuição das chuvas registradas neste ano no Ceará, diferente do que ocorre historicamente no Estado.
“Nos últimos dois anos, as chuvas ficaram concentradas mais na porção Norte do Estado”, justifica Rebouças
As pluviometrias nesta área do Ceará não beneficiam o Castanhão, que fica na Bacia do Médio Jaguaribe.
Para especialistas, a tendência é de que este índice (9,83%) cresça ainda mais ao longo dos dois próximos meses que completam o período da quadra chuvosa no Ceará. “Ainda temos os meses de abril e maio e a previsão é de mais chuva no Cariri. Isto é importante pois o Rio Salgado, que nasce lá, é o principal afluente do Jaguaribe, que por sua vez beneficia o Castanhão”, pontua o coordenador do Açude Castanhão, Fernando Pimentel.
A estimativa, segundo ele, é de que o volume no reservatório atinja os 20%. Caso este cenário se confirme, a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e o Médio e Baixo Jaguaribe, “terão mais segurança hídrica” ao longo de todo o ano, acrescenta Pimentel.
Estas três regiões, que aglutinam mais de mais quatro milhões de pessoas, são abastecidas pelo Castanhão. Rebouças ressalta, entretanto, que é preciso cautela e uso consciente da água, pois em algumas regiões, como no Sertão Central e Banabuiú, os açudes ainda não atingiram “um volume confortável”.
Importância
Além do abastecimento humano e dessedentação animal, outro papel fundamental do açude, é fomentar a economia regional, favorecendo a pesca artesanal, os projetos de piscicultura – produção de tilápia em tanques-redes – e irrigação nos perímetros Tabuleiro de Russas e Jaguaribe-Apodi, conforme ressalta o secretário Executivo de Recursos Hídricos do Estado, Aderilo Alcântara. Este retrato de retomada hídrica reanima agricultores e piscicultores que extraem, do Castanhão, o sustento das famílias.
O reservatório chegou a produzir 30 mil toneladas anuais de tilápia entre 2009 e 2011. A partir da perda de volume, em 2012, a produção declinou sucessivamente e episódios de mortandade decretaram o fim da atividade da piscicultura em 2019. O piscicultor Francisco Pereira, que há 10 anos começou a atividade no Castanhão, é um dos tantos que se mostram esperançosos. O otimismo demasiado já foi revertido em ações. “Estamos consertando as gaiolas que antes estavam paradas e abandonadas”, confessa. Ivo Alves, também piscicultor, projeta dias melhores no horizonte. “Finalmente vamos voltar a trabalhar e ter renda”, anima-se.
Obstáculo
Apesar do sentimento consensual de esperança entre os piscicultores, a categoria enfrenta dívidas nos bancos adquiridas com o fim da atividade. A consequência imediata é a suspensão de novos financiamentos o que pode emperrar a retomada da atividade. A queda mensal na renda dos piscicultores pode mensurar o impacto causado pelos consecutivos anos de estiagem que resultaram na diminuição do volume do Castanhão.
A renda média mensal da categoria girava em torno de dois salários mínimos por mês. Nos últimos quatro anos esse rendimento começou a ruir. No ano passado, ele ficou rente ao chão. “Renda zero”, acrescenta Ivo Alves.
O prefeito de Jaguaribara, cidade onde o Açude Castanhão foi edificado – embora atinja outros municípios, como Alto Santo, dadas as suas grandes dimensões – reconhece que o retorno da atividade não depende apenas do aporte no reservatório. “Os produtores só poderão retomar a criação de tilápia se houver prorrogação das dívidas e concessão de novos financiamentos para a compra de alevinos e ração”, diz o gestor municipal Joacy Alves dos Santos Júnior.
Economia em jogo
A retomada dos tempos áureos da piscicultura não vai gerar benefícios apenas para categoria que conta com cerca de 400 piscicultores (entre pequenos, médios e associados). A secretária de Desenvolvimento Econômico, Turismo, Aquicultura e Pesca de Jaguaribara, Lívia Barreto, recorda que 80% das atividades econômicas locais dependem da piscicultura.
“Os últimos quatro anos foram horríveis. O impacto na economia foi forte. Tivemos centenas de desempregados e fechamento de lojas”, acrescenta. Embora não mensure números, a gestão municipal estima que a queda no comércio local gire em torno de 60%.
Com a projeção de reaquecimento da atividade, Lívia espera uma resposta da economia já no próximo ano. O prefeito Joacy Alves antecipou que aguarda a aprovação de um projeto de lei, encaminhado pelo Executivo estadual, que trata de uma ajuda financeira de R$ 2 milhões para os pequenos piscicultores. “O projeto está em tramitação”, adianta Santos.
A categoria dos piscicultores também apresentará, ainda neste primeiro semestre de 2020, pedido de prorrogação dos vencimentos de financiamentos e, também a liberação de novos empréstimos. Ao Governo Federal, os piscicultores vão solicitar a anistia de 90% da dívida atual, cujo montante não foi divulgado. “Vamos agir em duas frentes”, explica o prefeito de Jaguaribara, referindo-se ao diálogo futuro com bancos e a União.
Diário do Nordeste