Com decreto de calamidade, gestores podem gastar mais em meio à pandemia no Ceará - Foto: AFP
Diante da queda na arrecadação e do aumento de gastos na área da Saúde, prefeitos de mais de 70 municípios cearenses assinaram mensagens decretando estado de calamidade pública, por conta da pandemia do novo coronavírus. Os decretos foram enviados para aprovação na Assembleia Legislativa, que se reúne, hoje, em sessão virtual. Isso porque a efetivação das medidas depende do reconhecimento dos deputados.
Boa parte dos municípios cearenses já se encontra em situação de emergência, ou seja, sob risco de sofrerem danos na Saúde e no serviço público em razão da pandemia. A decretação de emergência facilita a obtenção de recursos federais ou estaduais.
Trâmite
Agora, com o agravamento da crise na Saúde e na economia, prefeitos estão decretando estado de calamidade pública. Assim, eles terão maior flexibilidade nos prazos de prestação de contas e limites de gastos previstos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), poderão aumentar despesas, e ficarão protegidos de acusações de irregularidades fiscais nas suas gestões.
O Estado do Ceará e o município de Fortaleza foram os primeiros a declarar calamidade pública. Os decretos, que vigoram até 31 de dezembro de 2020, foram assinados pelo governador Camilo Santana (PT) e pelo prefeito Roberto Cláudio (PDT), respectivamente, e aprovados pela Assembleia Legislativa na semana passada.
O trâmite se dá porque de acordo com o artigo 65 da LRF, no caso dos estados e municípios, o decreto de calamidade pública precisa ser reconhecido pelas Assembleias Legislativas. Alguns prefeitos, como ocorreu na Capital, enviam a mensagem também para reconhecimento da Câmara Municipal, mas, somente após ter aval do Parlamento estadual, a medida excepcional começa a valer.
Com o reconhecimento da calamidade no Estado e em Fortaleza, outros prefeitos foram influenciados a fazer o mesmo, uma vez que a crise tende a piorar no interior com o aumento dos casos de Covid-19, e uma “enxurrada” de decretos de calamidade pública chegou à Assembleia ontem – pelo menos 75 foram protocolados. Destes, 73 estão na pauta de votação de hoje.
Para agilizar a tramitação, o Legislativo cearense lançou um Sistema de Protocolo Digital. Com isso, ao invés de cada prefeito entregar o seu decreto à Assembleia, a Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) decidiu reunir todos e protocolá-los na Casa em remessas.
Pedidos
A orientação do presidente da Aprece, Nilson Diniz, é de que todos os municípios decretem calamidade pública. Prefeito de Cedro, ele foi um dos que declararam o município nessa situação. Nilson alerta para a queda da arrecadação nos próximos meses, que deve impactar diretamente nos gastos com pessoal.
“Na hora que cai a arrecadação, mesmo que não contrate ninguém, uma grande parte dos municípios vai estourar os 54% do limite de gasto com pessoal (estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal) e, se o município não tiver decretado calamidade, as contas do prefeito serão desaprovadas, vai ter nota de improbidade, pagar multa, ficar inelegível e o município fica impedido de fazer convênios”, relata.
Segundo o prefeito de Cedro, a crise impacta nas três principais fontes de renda dos municípios atualmente: o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e, ainda, o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Motivos
O prefeito de Chorozinho, Junior Castro (PDT), já sente esse rombo. Ele decretou calamidade ainda na semana passada, tanto que a medida já estava protocolada na Assembleia Legislativa. Uma das preocupações dele é justamente a despesa com pessoal.
“Para você ter uma ideia, só na parcela dessa semana do ICMS, comparada com a mesma do ano passado, existe uma queda de mais de 40%, sem falar no FPM e nas demais receitas. A nossa cidade se encontra equilibrada financeiramente, mas nós estamos com receio dessa crise prejudicar nossa situação”.
Em Jijoca de Jericoacoara, um dos municípios cearenses que vivem do turismo, a situação é crítica. Segundo o prefeito Lindbergh Martins (PSD), a receita da cidade caiu mais de R$ 1 milhão, sem contar o desemprego. Ele decretou calamidade para poder “segurar” os funcionários da Prefeitura.
“Jeri parou. Temos aqui de desempregados em torno de 600 caminhoneteiros, quase 400 bugueiros, quase 150 guias turísticos. Só de autônomos, são duas mil famílias sem emprego. Estamos segurando a folha para não gerar mais desemprego”, conta.
Em Juazeiro do Norte, o prefeito Arnon Bezerra (PTB), também preocupado com as contas, declarou calamidade pública e avisa: pode não conseguir pagar os salários dos servidores municipais.
“Com a queda da arrecadação, das transferências constitucionais e a necessidade de investimento maior na Saúde, a gente está fazendo um trabalho sobrenatural para conter os postos de trabalho”.
Precaução
Também foi decretada calamidade em Farias Brito, segundo o prefeito José Maria (PSD), para que a gestão municipal possa, nas palavras dele, se “proteger”. “A consequência da crise é a diminuição da receita. O município vai extrapolar o limite de (gasto com) pessoal e nesse momento eu não posso demitir ninguém”, crava.
Em situação semelhante, o prefeito de Crato, Zé Ailton Brasil (PT), não pensou duas vezes em decretar calamidade pública para poder manter o quadro de pessoal.
“Temos um grande número de servidores efetivos que não podemos demitir, temos é que contratar, e com os limites da LRF temos que ter 54% de gasto com servidores. Estamos tomando todo cuidado para eventual emergência no sistema (de saúde)”.
Pauta de votação
Além dos decretos de calamidade pública dos municípios, pelo menos 180 requerimentos devem ser votados pelos deputados estaduais durante a sessão virtual da Assembleia.
Na Fila
Havia também uma expectativa de que projetos de lei de autoria de parlamentares, relacionados ao enfrentamento ao coronavírus no Estado, pudessem ser
analisados, mas estes não entraram na pauta desta quarta.
Tramitação
Apesar disso, pelo menos 16 novos projetos de lei de autoria de deputados, todos também voltados ao cenário de pandemia, serão lidos na sessão remota, marcando, desta forma, o início da tramitação deles na Casa.
Diário do Nordeste