É perceptível para qualquer cearense que parte da população flexibilizou o distanciamento social, seja por vontade fortuita ou por necessidade. Basta abrir as redes sociais e ver banhistas usufruindo de praias durante o período mais sensível da pandemia da Covid-19; ler notícias sobre as aglomerações em portas de bancos para recebimento de benefício financeiro; ou ir a um supermercado e se deparar com filas imensas e poucos espaços entre os consumidores.
Não é de se estranhar que a taxa de isolamento, calculada pela empresa de tecnologia com dados In Loco, atingiu o seu nível mais baixo na última semana, contabilizando os dados desde que a quarentena foi decretada no Estado, em 19 de março. No dia 30 de abril, a taxa de isolamento caiu para 45%, ao passo que o ideal para garantir vagas em leitos de UTI e enfermaria para a população em geral é de 70%, conforme recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde. O índice só foi alcançado pelos cearenses no dia 22 de março, quando foi registrado que 71,1% dos moradores daqui se abstiveram de sair de suas residências e optaram voluntariamente a respeitar o momento.
Sob posse dos dados em questão e do aumento exponencial de casos confirmados e óbitos em decorrência da Covid-19, o governador do Ceará, Camilo Santana, anunciou por redes sociais que na manhã de hoje (5) serão explicadas as novas regras de isolamento social no Ceará.
“Diante do grave avanço do coronavírus no Ceará, entrarão em vigor medidas mais rígidas de isolamento, principalmente em Fortaleza, epicentro da epidemia”, publicou o chefe do Executivo estadual.
Aglomerações
Para o cientista social Irapuan Peixoto, da Universidade Federal do Ceará (UFC), “a população tem dificuldade de abrir mão de atividades culturais e sociais para fazer um isolamento dentro do que prevê o decreto do Governo do Estado”. Segundo o pesquisador, isso varia de acordo com o nível de renda de cada um.
Para Irapuan, os mais ricos quebram a quarentena proporcionando aglomerações domésticas em apartamentos ou em festas particulares. Já os mais pobres descumprem as medidas na própria rua, sentados nas calçadas, jogando futebol ou cartas. O pesquisador acredita que a própria estrutura da sociedade obriga a população menos abastada a se aglomerar. “Mesmo com as agências abrindo mais cedo e aos sábados, não adianta, é muita gente para receber, pouco lugar para entregar, e não há uma logística preparada para isso. Embora entre um aspecto cultural de que as classes mais baixas têm menos acesso à tecnologia ou ao saber necessário para a tecnologia. Essas pessoas estão mais suscetíveis a não usar um app de banco”, explica o pesquisador.
Para o infectologista Keny Colares, do Hospital São José, de fato, supermercados e unidades bancárias, neste momento, são focos de contaminação. Para isso, há certas dicas como a higiene das mãos, a utilização de máscaras e, com relação aos locais de venda de suprimentos: “Ir só quando for necessário, se tiver que ir, escolher um horário que não tenha tanta gente, pois cada vez que uma pessoa sai e começa a interagir com mais gente, aumenta a chance de se contaminar”, avalia.
Por outro lado, o médico estima que a maior parte das transmissões do novo coronavírus não esteja ocorrendo nesses locais, mas onde o decreto está sendo descumprido de outras formas. “As pessoas depois de um determinado tempo vão cansando e, talvez, a adesão ao isolamento vá reduzindo. É natural que aconteça, mas isso vai com certeza ter um preço”, alerta o infectologista.
O trânsito
Outro elemento que pode mostrar o descumprimento das medidas de isolamento social vem a partir de dados de monitoramento do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), divulgados nessa segunda-feira (4) em relatório sobre o tráfego em dez grandes rodovias da Grande Fortaleza. Conforme os dados apresentados, nas rodovias analisadas, houve aumento considerável no volume médio de veículos que utilizaram a via em um dia – especialmente desde a última prorrogação do decreto do governador Camilo Santana. Na CE-040, que liga a Capital ao Litora Leste, houve aumento nos trechos de Fortaleza, Aquiraz e Eusébio. No primeiro trecho, ainda quando vigorava o primeiro decreto, o volume médio era de 17 mil veículos por dia; desde o dia 20 que o número subiu para 24,5 mil. Na CE-040, em Aquiraz, o volume médio, em igual intervalo, aumentou de 6,2 mil para 8,5 mil carros. Já no trecho de Eusébio, saiu de 14,8 mil para 23,6 mil veículos em média por dia.
Lockdown
O infectologista considera que o lockdown (bloqueio total), cuja efetividade foi comprovada em outros países, como China e Itália, é uma das opções cada vez mais próximas da realidade. “Se não estiver havendo o resultado esperado e se as pessoas, por vários motivos, não aderem ao isolamento voluntário, chega o momento em que a autoridade precisa agir. Talvez a gente esteja chegando perto desse momento, pois os focos estão aumentando e hospitais ficando sem condição de receber mais gente”, indica. Para o cientista social Irapuan Peixoto, o ‘lockdown’ também começa a se apresentar como necessidade. “A gente precisaria de uma grande contribuição da sociedade para que não chegasse a esse ponto. É uma atitude radical em relação à necessidade de controlar a pandemia, mas para que a gente não chegue a esse nível, precisaria de colaboração”.
Ceará registra 2.763 casos novos de Covid em um dia
Em apenas 24 horas, o Ceará contabilizou novas 2.763 infecções pelo novo coronavírus. A informação consta na última atualização (às 21h18 dessa segunda-feira, 4) da plataforma digital IntegraSUS, gerenciada pela Secretaria da Saúde do Estado. Neste intervalo de tempo, os números passaram de 8.379 para 11.142, o aumento percentual de novas contaminações confirmadas foi de 33% em apenas um dia. Até então, o recorde mais atual havia sido marcado no dia 26 de abril, quando foram contabilizados 593 casos em 24 horas.
Em relação aos óbitos, entre o domingo (3) e a segunda-feira (4), foram registradas 55 novas mortes em razão da Covid-19, conforme o IntegraSUS; o número saiu de 677 para 732. A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Fortaleza também divulgou seu boletim epidemiológico semanal, o qual mostra um aumento no número de casos fatais em bairros com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Capital. As mortes provocadas pela infecção viral já se estendem por, pelo menos, 103 dos 121 bairros do município.
Os aglomerados urbanos mais atingidos até o momento com o maior número de óbitos são: Vicente Pinzón, com 21 fatalidades confirmadas; Barra do Ceará, com 20; e Cristo Redentor, 18. A SMS já havia alertado que os bairros fazem parte das áreas que seriam potencialmente mais afetadas pela propagação da Covid-19.
De acordo com o informe epidemiológico, na última semana de março, “a epidemia atinge outro patamar com dispersão importante para os bairros periféricos onde reside, majoritariamente, uma população dependente do SUS. Uma população mais vulnerável sob ponto de vista social e econômico e com maior prevalência de comorbidades”.
Diário do Nordeste