Bairros nobres de Fortaleza lideram os registros do novo coronavírus - Foto: Fabiana de Paula
A curva de crescimento contínuo dos casos com testagem positiva de Covid-19 no Ceará reitera o pedido de isolamento social. A estratégia de saúde desacelera a velocidade de proliferação do coronavírus. Contudo, o descumprimento da medida segue elevando os casos, sobretudo, em Fortaleza, onde a doença já alcançou 15,7% do total de bairros e deve avançar para a região periférica, nas próximas semanas. Em 24 horas, o número de pessoas que testaram positivo no Ceará saltou de 68 para 84, conforme último balanço da Secretaria da Saúde (Sesa), um acréscimo de 23,5%.
Boletim divulgado pela Pasta no início da noite de ontem (21), aponta que somente a Capital e Aquiraz, na Região Metropolitana, registraram novas contaminações, evoluindo de 63 para 76, e de 1 para 4, respectivamente. Os municípios de Sobral, Fortim e Juazeiro do Norte, no interior, continuam com uma confirmação, além de um morador de São Paulo que teve a identificação da doença no Estado.
Dessa forma, o balanço da Sesa informa que o Ceará entra na fase de “mitigação” da pandemia. A prioridade será em evitar a evolução rápida de novos casos – a partir do distanciamento e redução da mobilidade das pessoas -, e garantir a assistência de pessoas vulneráveis e casos graves com a disponibilidade de profissionais, infraestrutura hospitalar e insumos.
Em âmbito nacional, o País acumula 1.128 casos documentados do novo coronavírus e 18 óbitos, de acordo com o Ministério da Saúde. Com 459 comprovados laboratorialmente, o estado de São Paulo concentra o maior volume, seguido de Rio de Janeiro (119) e Distrito Federal (100). Até a última tarde, apenas Roraima não apresentava anotações da doença.
No Nordeste, o Ceará tem o maior número de casos. No topo da lista estão ainda Bahia (41), Pernambuco (30), Sergipe (10), Alagoas (7), Rio Grande do Norte (6), Piauí (4). Maranhão e Paraíba têm um caso cada. A reportagem do Diário do Nordeste buscou junto ao titular da Sesa, Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho, Dr. Cabeto, o perfil e o quadro de saúde dos pacientes infectados, mas não obteve retorno.
Incidência
Um levantamento preliminar da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covis), da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Fortaleza, indica que o novo coronavírus havia chegado a 19 dos 121 bairros da Capital até a última sexta-feira (20). Treze deles, a exemplo do Meireles, Aldeota e Praia de Iracema, estão localizados na Regional II. Embora consideradas regionais mais vulneráveis, a I e a V não apresentaram confirmações.
Na perspectiva epidemiológica, porém, os casos ora concentrados em áreas de alto poder socioeconômico deverão atingir moradores da periferia. A constatação foi feita pelo professor do curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Nathiel Silva, que estima a confirmação do contágio da doença nas primeiras semanas do próximo mês.
“Vão começar a ser notificados publicamente em breve com picos mais ou menos na segunda semana de abril. É difícil dar uma estimativa, mas eu acredito que já deve estar na periferia, sim, só que as pessoas não buscam ou não conseguem auxílio médico, ou ainda não têm testes para serem efetuados”, considera.
A possível confirmação de casos positivos da Covid-19 em áreas com grande acentuação de vulnerabilidades aflige o especialista. “Preocupa, porque nós temos uma região de densidade populacional alta, pessoas vivendo em grandes quantidades em pequenos ambientes e com condições de vida mais insalubres”, explica. Segundo complementa, a escassez de investimentos sociais na área otimiza a disseminação do vírus.
Ascensão
O Ceará contabilizou os três primeiros casos de coronavírus no dia 15 de março. No dia seguinte, o índice triplicou. No terceiro dia, 11; em 18 de março saltou para 20; e, em 19, para 24. Já nessa sexta-feira (20), a escalada atingiu os 68 casos. A celeridade com que as confirmações estão saindo provocará a superlotação dos hospitais como efeito imediato, alerta Nathiel Silva.
“A curva realmente está crescendo muito rápido e, se mantiver esse ritmo, sem sombra de dúvidas, o nosso sistema de saúde vai ficar sobrecarregado e o pior vai acontecer, porque a gente não vai dar atenção a quem realmente necessita. Vai demorar a diminuir o número de casos e a curva de crescimento e a doença vão persistir por muito mais tempo”, reflete.
Outro agravante é que, na Capital, a Covid-19 também já entrou na fase de transmissão comunitária, quando há contágio sem que o paciente tenha viajado. “Como há transmissão comunitária e ela está concentrada em alguns bairros, a gente tende a diminuir a propagação para não forçar o nosso serviço público de saúde e não produzir casos tão rapidamente que o serviço não consiga absorver”, garante Antônio Lima, gerente da Célula de Vigilância Epidemiológica da SMS, ao reforçar as medidas de isolamento social.
Conforme o médico imunologista da Care Plus, Eduardo Finger, o coronavírus se propaga de modo exponencial. “O que determina a potência que vai gerar a curva é o número de contatos que as pessoas têm entre si. Se elas não fizerem seu isolamento e continuarem seu dia a dia, indo para todos os lugares, conversando e se tocando, a curva vai ser 10, subir muito rápido e dar problema. Se as pessoas não saírem de casa e ficarem calmas, você reduz muito a velocidade”, explica o especialista na área.
Até o momento, estudos científicos realizados na China, epicentro da pandemia, mostraram que 86% dos casos da doença foram assintomáticos. Ou seja, em pessoas que não apresentaram sintomas, mas transmitiram a doença para pessoas que os manifestaram. Em média, cada infectado pode repassar o vírus para até 3 pessoas, “que não é uma taxa muito alta, mas pode causar um estrago”, afirma Eduardo Finger.
Para o especialista, com a transmissão comunitária, os casos vão se dividir entre quem precisa de suporte avançado de vida e quem não. Os que não se enquadram nos grupos de risco devem permanecer em casa para não sobrecarregar a rede de saúde, “mesmo que a ansiedade bata”. “Todo mundo quer ser testado e ver um médico, mas não tem teste ou médico suficiente para todo mundo. A enorme maioria dos casos vai passar sozinho”, sustenta.
Durante transmissão via rede social na noite de ontem, o governador do Ceará, Camilo Santana, voltou a pedir para que as pessoas evitem ao máximo o contato social. “Se esse contato continuar da forma que vinha acontecendo normalmente, a velocidade da transmissão do vírus é muito alta”, justificou. O chefe do executivo estadual reforçou que a etiqueta visa conter o avanço da pandemia.
Diário do Nordeste