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“Fortaleza já devia pensar em barreiras internas de deslocamentos”
Domingos Alves, da Faculdade de Medicina da USP, é integrante do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS). O pesquisador estuda a situação de Fortaleza, considerada um dos 'hubs' do coronavírus no Brasil
Redação
Domingos Alves é pesquisador e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. - Foto: Reprodução/ Diário do Nordeste

Fortaleza é uma das capitais que mais registra casos de coronavírus. Junto a São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, a cidade concentra confirmações e óbitos em um curto intervalo de tempo. Nessas localidades, a velocidade de transmissão da Covid-19 é considerada rápida. No Ceará, além de Fortaleza, outros 22 municípios têm pacientes com coronavírus. Na Capital, há pessoas com a doença em mais de 50 bairros.

Brasil afora, pesquisadores avaliam a situação e por meio de métodos científicos geram informações que podem auxiliar decisões. O professor do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), Domingos Alves, investiga a dinâmica dos chamados núcleos de disseminação, como Fortaleza. Em entrevista, ele diz que o movimento com distribuição em “hubs” faz com que o avanço da Covid-19 no País seja mais semelhante aos Estados Unidos com três focos principais: Nova York, Washington e Califórnia, do que com a Itália e a China.

O professor reforça ser necessário focar na ação do coronavírus em localidades mais representativas. Para Fortaleza, ele acredita que é necessário começar a pensar medidas mais restritivas a partir do estudo dos deslocamentos das pessoas tanto dentro da cidade, como no movimento cotidiano pendular de moradores da Região Metropolitana.

O estudo que o senhor desenvolve aborda os chamados núcleos de disseminação. O que está sendo observado nessas cidades?

Quando nós começamos a observar, mudamos o foco daquilo que estava sendo divulgado tanto na imprensa, como pelos órgãos oficiais. Que são os dados integrados para o Brasil. Na minha opinião, isso não tem muito efeito. Não tem nenhum valor de análise quando você olha para o Brasil do tamanho que ele é. Quando vai para os estados também perde um pouco. Começamos a fazer uma análise para monitorar municípios. Nós elencamos os quatro municípios que têm o maior número de casos. Isso é baseado no seguinte fato: temos recebido pedidos para avaliarmos os casos do Brasil em comparação com a Itália e outros países. Na Itália, a região da Lombardia ‘cabe dentro do Rio de Janeiro’. Na China, Wuhan ‘cabe dentro de São Paulo’. No Brasil, o espalhamento da epidemia não está sendo em uma única região. Está sendo em quatro regiões importantes: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Fortaleza. Temos esses quatro centros de disseminação ou comparando com a computação, temos hubs. Se eu olhar o número de casos, vou ver São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e depois Brasília. Mas, levando em consideração a demografia de cada cidade, vemos que Fortaleza está ‘pau a pau’ com São Paulo, que foi a cidade originária da epidemia no Brasil. Temos que focar nessa realidade local e nas taxas de transmissão considerando a população.

O movimento inicial da transmissão do coronavírus no Brasil passa pelos aeroportos. A dinâmica dos hubs aéreos tem relação direta com essa situação?

Os aeroportos foram responsáveis pelas chegadas dos primeiros casos de coronavírus. Os casos que eu chamo de zero, antes de primeira onda. E talvez, eles ainda estejam sendo responsáveis pela continuidade de transmissão para outros municípios importantes a partir das chegadas nas capitais. Os aeroportos deveriam estar sob vigilância. A partir da primeira onda, houve o deslocamento das pessoas entre municípios, e a doença começou a se espalhar das principais regiões com aeroportos para outros municípios. É isso que ocorre.

Apesar de serem núcleos de disseminação, essas cidades têm comportamentos diferentes?

Essa é uma pergunta que a gente tem se feito. Por exemplo, por que Brasília, até bem pouco tempo, estava rivalizando com Fortaleza na quantidade de casos por habitante? Eu honestamente ainda não sei dizer adequadamente o porquê. A mobilidade interna desses municípios tem que ser melhor avaliada. São Paulo tem linha de metrô e essas linhas podem ser mais eficientes para espalhar o vírus do que as linhas de ônibus. Esse comportamento está sendo analisado. Ao monitorar o espalhamento por município, muito provavelmente nós vamos ter condições de barrar o crescimento dessa doença para o Brasil inteiro. É isso que tenho dito. Saber quais os diferentes comportamentos. Inclusive fazendo parcerias com as secretarias municipais de saúde. Estou fazendo um projeto junto à Secretaria de Saúde de Ribeirão Preto. Eles fornecem os dados de confirmados, suspeitos, descartados e os óbitos para fazermos algum tipo de previsão. Incluímos também os casos que estão subnotificados, aguardando exames. Se fizer uma parceria com o município, podemos analisar frente à estrutura que o município montou para barrar o crescimento do vírus. Orientar, por exemplo, o município na hora de fazer barreiras.

Para essas cidades, a barreira é uma solução?

Eu tenho falado sobre isso. Na realidade de São Paulo, especificamente, digo: será que não chegou o momento de fechar completamente as linhas de ônibus importante de ligação lá dentro? Tem menos pessoas andando de ônibus, mas elas continuam. Talvez, para alguns desses municípios, já seja hora de começar a endurecer as medidas de contenção nesse sentido.

A sugestão é monitorar as movimentações das pessoas tanto dentro da cidade como entre elas?

A gente notou que no mapa do Estado de São Paulo, os casos que aconteceram em torno da cidade de São Paulo, quando você olha as bolinhas (representações gráficas de casos) aparecem justamente nas principais estradas que ligam a cidade de São Paulo aos demais municípios. A quantidade de pessoas infectadas nesses municípios aumenta com a proximidade da cidade de São Paulo. Deveríamos estar tomando medidas de barreiras entre municípios. Isso para o Ceará pode ser muito importante. (O governador Camilo Santana atualizou o decreto que barra os serviços de transportes intermunicipais, Veículo Leve Sobre Trilhos e serviços metroviários até o dia 20 de abril deste ano). No Ceará, Fortaleza tem muitos casos e nas demais regiões existem poucos municípios com casos ainda. Isso é uma boa pista. Principalmente, nesses casos em que há o movimento pendular com a Região Metropolitana. Deveria se tomar medidas de barrar esse movimento para romper as cadeias de transmissão e, no momento, deter a epidemia. Isso pode ser importante para o vírus não aparecer, agora, em outros locais do Estado. Fortaleza deveria estudar como está o movimento das pessoas dentro da cidade e no entorno. Saber de onde e para onde as pessoas vão. Gostaria de colaborar com grupo do Ceará olhando para a estrutura de Fortaleza.

É preciso, então, aumentar as medidas restritivas?

Isso é um ponto de vista que eu defendo, de aumento das restrições. Estou tentando embasar em mais evidências. Pois devido aos casos subnotificados, não conseguimos aferir direito. Temos muito testes na fila. Qual seria o melhor investimento? Fazer teste em massa. Se testarmos mais, poderemos até começar a diminuir o número de internações. E vamos estudando os efeitos dessas barreiras.

Quanto a subnotificação e os atrasos dos resultados dos testes interferem no diagnóstico da situação?

Isso interfere na hora que você tenta acompanhar os casos. Se você pega o gráfico da cidade de São Paulo, as pessoas falavam ‘a curva está deitando’, mas aí subiu muito de um dia para o outro porque tinha uma porção de casos parados que foram confirmados. Não são casos que as pessoas pegaram de ontem para hoje. Não subiu de um dia para o outro. Tinha muito óbito que estava esperando a confirmação se era por Covid-19. Interfere nisso, a gente está perdendo a capacidade de entender adequadamente como esse vírus está se espalhando.

Quais dados devem ser considerados na análise? É preciso contar, além dos confirmados e recuperados, os expostos e assintomáticos, por exemplo?

Devemos considerar os assintomáticos, os suspeitos, os óbitos, os confirmados e os descartados. Fiz questão de publicar um gráfico em que mostro casos descartados, suspeitos e confirmados. Até março, tínhamos todos esses. Depois, passamos a ter só os confirmados. Isso é ruim porque vimos agora que o número de suspeitos em São Paulo estava na ordem de 16 mil, quando, em março, era menos de mil. Acompanhar todos os casos é de extrema importância e fazer previsão também.

Diário do Nordeste

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