Dados são do levantamento 'Pele alvo: mortes que revelam um padrão’, da Rede de Observatórios da Segurança Pública. Foto: Ascom PMJN
Juazeiro do Norte é o 2° município do Ceará com mais mortes de pessoas por intervenções policiais. Os dados, referentes a 2023, foram divulgados no levantamento ‘Pele alvo: mortes que revelam um padrão’, da Rede de Observatórios da Segurança Pública. No Estado, 147 pessoas foram mortas em ações policiais, uma redução de 3,3% em relação a 2022. Do total, 9 são de Juazeiro do Norte, sendo 2 de pessoas negras e 7 de raça ou cor não identificadas.
Ainda, de acordo com o relatório, das 147 mortes no Ceará, 94 não tiveram a raça ou cor identificada. Mesmo assim, 88,7% das vidas perdidas (47 pessoas) foram de pessoas negras. Apenas 6 indivíduos foram identificados como brancos.
A cidade fica atrás apenas de Fortaleza, que registrou 30 mortes por intervenção policial, sendo 7 de pessoas negras, 1 de pessoa branca e 22 não identificados. Morada Nova, Icapuí, Amontada e Cascavel são os outros municípios que aparecem no ranking das seis cidades do Ceará com mais mortes decorrentes da intervenção do Estado por cor ou raça. No relatório referente a 2022, Juazeiro do Norte não aparece na lista dos 6 municípios.
No Ceará, jovens são os mais afetados
Entre as vítimas de intervenções do Estado, a maioria é a juventude, entre 18 a 29 anos, representando 69,4% do total, com 102 vítimas. Em seguida, estão as pessoas de 30 a 39 anos, com 25 vítimas (17,0%), e adolescentes de 12 a 17 anos, com 15 vítimas (10,2%). Foram registradas ainda 2 vítimas entre 40 e 59 anos (1,4%) e uma acima de 60 anos (0,7%). Além disso, houve 2 casos sem idade informada (1,4%).
Transparência nos dados
Os dados obtidos pela Rede de Observatórios no Ceará e em outros oito estados do país, foram conseguidos através da Lei de Acesso à Informação (LAI), junto das secretarias estaduais de segurança. No Ceará, ao longo de três anos, apesar da transparência nos dados ter aumentado, a média de mortes sem identificação de cor ou raça fica em cerca de 70%.
“Cabe enfatizar a importância da transparência e disponibilização de dados de qualidade para bons diagnósticos. Tomando o Ceará como exemplo, o aumento das informações de raça ou cor fez com que o estado saísse de 1,3% de pretos em 2022, para 29,3%. Descartando os “não informados” e considerando somente as vítimas com informação, o salto é ainda maior: se em 2022 foram 80,4% de vítimas negras, 2023 totalizou 88,7%. Ou seja, a melhora dos dados desnuda ainda mais as realidades antes encobertas pela falta de transparência.”, afirmam os pesquisadores.
Em nota ao Portal Miséria, ao ser questionada sobre o alto índice de mortes de cor ou raça identificadas, a Secretaria de Segurança Pública Estadual afirmou que está adotando novas medidas para aumentar o controle de informações, como o lançamento de um Painel Dinâmico de Monitoramento. “ As informações são públicas e atualizadas com base nos registros do Sistema de Informações Policiais (SIP3W), plataforma atualmente utilizada pela Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE). A ferramenta será substituída, em breve, por uma nova tecnologia que possibilitará cruzar dados estratégicos para o andamento do inquérito policial e levantamentos da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), assim como o perfil das vítimas de crimes. O Painel de Monitoramento estará disponível na aba de estatística do site da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social”
Ainda, segundo a pasta, os profissionais da Segurança Pública participam de formações iniciais e continuadas para o atendimento humanizado às pessoas negras e demais grupos vulneráveis. “Já com foco na prevenção e aproximação, a Polícia Militar do Ceará (PMCE) e Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) realizam palestras mensais em escolas, abordando a prevenção à violência e às drogas, combate ao bullying, respeito ao próximo e entre outros assuntos, além de atividades culturais que relacionam música, esporte, com crianças e adolescentes”, complementa a secretaria.
Relatório cobra políticas efetivas
Em texto de apresentação dos dados do Ceará, o relatório cobrou políticas de segurança pública efetivas, a partir do compromisso com a prevenção.
“Promessas de preservação à vida são feitas, não cumpridas, e a contrapartida é fortalecer dinâmicas que se contrapõem à proposta de segurança comunitária. Enquanto isso, jovens periféricos tentam construir estratégias criativas de manutenção e valorização da vida de forma independente. Mas não sem enfrentar as balas da polícia. E sem apoio do Estado, que emite nota de esclarecimento corroborando ação violenta e tratando como caso isolado. Assim, o número de pessoas negras vitimadas pela letalidade policial foi oito vezes maior do que de pessoas brancas”, aponta o levantamento.
A rede apontou também o papel do Ministério Público. “Cabe também ao Ministério Público fiscalizar e cobrar a mudança dessa realidade que perdura. Há uma contradição em querer enfrentar a violação de direitos da população cearense e não alterar a realidade de mortes decorrentes da intervenção do Estado, principalmente em relação à juventude negra. Os dados de 2023 apresentam variação, mas não a diminuição da política ostensiva e letal que atinge as periferias”.