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Homem inocente fica preso mais de 2 anos no lugar do irmão
Eldis foi detido em 2017 no lugar de Eudes e só foi libertado da cadeira na última segunda-feira (9)
Redação
Eldis Trajano da Silva estava preso desde 2017 no lugar do irmão e foi libertado nesta semana — Foto: Crédito: Tribuna do Norte/Adriano Abreu

O vaqueiro Eldis Trajano da Silva ficou preso por engano, no lugar do irmão, durante dois anos e oito meses no sistema carcerário do Rio Grande do Norte. Esse irmão, de nome semelhante, Eudes Trajano da Silva, é o verdadeiro culpado pelos crimes de roubo, furto e falsidade ideológica pelo qual ele acabou respondendo.

Eldis, o inocente, foi solto na última segunda-feira (9). De acordo com a advogada Marilene Batista de Oliveira, ele estava encarcerado desde abril de 2017, quando foi levado pela polícia do seu trabalho, no município de Pedro Velho. Eldis da Silva tem 36 anos e nasceu e se criou em Piriti, na zona rural de Canguaretama.

De acordo com a advogada, Eldis estava na propriedade do patrão, onde trabalhava de vaqueiro, quando uma guarnição policial o prendeu. Os policiais estavam atrás de Eudes, com “u” no início e “e” no final, irmão dele. Mesmo assim, o levaram. Os nomes parecidos teriam induzido ao erro. “Eles não pediram sequer uma identificação antes de prendê-lo”, reforça a advogada.

Eudes, o irmão procurado da Justiça, cumpria pena em regime semiaberto. Nesse tipo de regime, o presidiário passa o dia fora da cadeia e retorna para dormir. Ele não havia voltado para a unidade em que estava lotado, portanto, foi considerado foragido e a polícia foi até o endereço indicado para prendê-lo.

Depois de um tempo preso no lugar desse irmão no Centro de Detenção Provisória do Pirangi, em Natal, Eldis foi transferido para a Penitenciária Estadual de Parnamirim (PEP). Lá, uma enfermeira o procurou para lhe entregar a medicação de controle do HIV.

Foi aí que ele disse à mulher que não era portador do vírus. Contudo, constava em sua ficha que havia sido infectado. Ocorre que Eudes, o verdadeiro suspeito e foragido, tem Aids. Após essa informação, foi feito um exame no irmão preso, que constatou que ele falava a verdade e não tinha o vírus.

Ainda assim Eldis da Silva permaneceu encarcerado. No entanto, o caso chamou a atenção do diretor da unidade, que comunicou o fato à Defensoria Pública do Estado. Eldis Trajano da Silva não sabe ler, sempre morou na zona rural de Canguaretama e não tinha advogado. Ele sequer sabia informar sua data de nascimento, ou se seu nome era escrito com a letra “l” ou “u”. Os familiares acreditavam que Eldis estava morto, pois não tiveram nenhuma notícia durante o cárcere.

Em 2018, a advogada Marilene de Oliveira tomou conhecimento do caso. Ela é ligada à Pastoral Carcerária e foi até a penitenciária para saber se havia detentos com a possibilidade de progressão de regime que ainda não tinham obtido o direito por falta de acompanhamento jurídico. Durante esse trabalho, se deparou com a história de Eldis e passou a tentar ajudá-lo.

A advogada requereu a identificação de Eldis Trajano da Silva através do Instituto Técnico-Científico de Perícia (Itep). Marilene de Oliveira conta que encontrou dificuldades para concretizar o pleito. Em julho do ano passado foi feita essa identificação. Segundo a advogada, a defesa não foi informada e só descobriu em outubro.

Falsidade ideológica

Depois disso, Marilene de Oliveira encontrou outro problema para conseguir a liberdade de Eldis. Ele respondia por furto e falsidade ideológica, desta vez em um processo em que constava seu nome real. Ocorre que os crimes foram praticados meses depois que Eldis da Silva estava preso. Não havia como ser ele o responsável.

Foi descoberto então que o irmão tinha utilizado as documentações dele para praticar mais crimes. Eudes, com “u”, foi pego usando o documento de um homem chamado Francisco Canindé ao ser detido em um furto. Quando a polícia constatou que era um RH falso, ele apresentou o documento de Eldis, o seu irmão, afirmando ser o verdadeiro e, assim, atribuindo a ele dois crimes: furto e falsidade ideológica.

O irmão criminoso foi liberado para responder o processo em liberdade durante uma audiência, por ser réu primário. Só que, na verdade, o réu primário era Eldis, que cumpria pena em nome de Eudes. Tempos depois o irmão foi preso novamente, por descumprir medidas que lhe foram impostas após a liberação. Neste momento, Eudes passou a cumprir a pena como se fosse Eldis e a implicá-lo com a Justiça duplamente.

A advogada Marilene de Oliveira conta que, após conseguir a identificação, foi necessário provar que os crimes tinham sido, todos, desde o primeiro, cometidos pela mesma pessoa. Pessoa esta que era, na verdade, o irmão de Eldis da Silva.

No ano passado, Eudes chegou a comparecer em uma audiência e ser reconhecido pelas vítimas. Ele mesmo afirmou que havia mentido e pediu perdão ao irmão, que estava sendo injustiçado. Contudo a Justiça ainda considerou isso insuficiente para soltar Eldis.

Somente na semana passada, na sexta-feira (6), foi concedido ao vaqueiro Eldis Trajano da Silva um alvará de soltura. Ainda assim, de acordo com a defesa, o alvará foi emitido com o nome errado, o do irmão. Ele precisou passar o sábado o e domingo na cadeira para que o erro fosse consertado nesta segunda. Os advogados agora vão acionar a Justiça para requerer uma indenização.

“Caso complicado”

O juiz Henrique Baltazar, da Vara de Execuções penais, alega que o caso Eldis é “muito complicado”. “Foi um conjunto de fatores”, afirma. Para Baltazar, o fato de o próprio Eldis Trajano da Silva não portar documentos e não saber informar a maneira como se escreve o próprio nome pode ter confundido os policiais na hora do cumprimento do mandato.

Além disso, o magistrado alega que a demora para a resolução da situação do inocente se deu porque, no início, quem soube dos fatos “talvez não tenha diligenciado”. “Há uma informação nos autos de que o diretor da PEP desconfiou da situação. Essa informação chegou depois lá no fórum e não sei o motivo pelo qual ninguém resolveu fazer alguma coisa”.

Henrique Baltazar diz ainda que as dificuldades estruturais enfrentadas à época pelo Instituto Técnico-Científico de Perícia do Rio Grande do Norte (Itep) tornaram moroso o processo de reconhecimento. “Quando finalmente isso chegou para mim, eu busquei o Itep para fazer uma investigação quanto as impressões digitais, para saber realmente quem era a pessoa. E o Itep não tinha condições de fazer, foi numa época que estava sem perito suficiente e o Itep demorou muito a esclarecer essa situação”, relata.

“Havia dúvidas se ele estava falando a verdade, ou não. Era um caso complicado, mesmo, de resolver, porque o próprio preso não sabia seus dados. Quando a advogada chegou contando essa história, resolvi ir atrás de diligenciar, para tentar descobrir e cheguei a essa interpretação”.

G1

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